domingo, 13 de junho de 2010

PENSAR É TRANSGREDIR



Para reinventar-se é preciso pensar: isso aprendi muito cedo.
Apesar dos medos, convém não ser demais fútil nem demais acomodada. Algumas vezes é preciso pegar o touro pelos chifres, mergulhar para depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser servida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a cada gole bebido.
Cômodo seria ficar com o travesseiro sobre a cabeça e adotar o lema reconfortante: "Parar pra pensar, nem pensar!"
O problema é que quando menos se espera ele chega, o sorrateiro pensamento que nos faz parar. Pode ser no meio do shopping, no trânsito, na frente da tevê ou do computador. Simplesmente escovando os dentes.Ou na hora do sexo sem afeto, do desafeto, do rancor, da lamúria, da hesitação e da resignação.
Sem ter programado, a gente pára pra pensar...
Cada porta....
....Uma escolha
Muitas vão se abrir para um nada ou para algo absurdo.
Outras...Para um jardim de promessas...
Alguma, para a noite além da cerca...
Pensar pede audácia....
Pois refletir é transgredir...
Buscamos o atordoamento das mil distrações;
Corremos de um lado a outro achando que somos grandes cumpridores de tarefas.
Quando o primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar:
Quem a gente é...
O que fazemos com a nossa vida...
O tempo...Os amores...
E com as obrigações também, é claro, pois não temos sempre cinco anos de idade, quando a prioridade absoluta é dormir abraçado no urso de pelúcia e prosseguir, no sono...O sonho, que afinal nessa idade ainda é a vida.
Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno, e quem sabe finalmente respirar.
Se nos escondermos num canto escuro, abafando nossos questionamentos, não compreenderemos que o prato das inevitáveis perdas pode pesar menos do que o dos possíveis ganhos.
Os ganhos ou os danos dependem da perspectiva e possibilidades de quem vai tecendo a sua história.
O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lhe atribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem.
Viver, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada...
Eventualmente reprogramada...
Conscientemente executada...Muitas vezes, ousada.
Parece fácil: escrever a respeito das coisas é fácil...
Não é preciso realizar nada de espetacular, nem desejar nada excepcional. Não é preciso nem mesmo ser brilhante, importante, admirado.
Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer esperança.
Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiada sensatez.
Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o ruim.
Suportar sem se submeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo e à possível dignidade.
Sonhar....
Porque se desistimos disso apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena.